quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Qual é sua maior dúvida ou dificuldade na hora de alfabetizar?

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Quem responde é a educadora Magda Soares, fundadora do Ceale e professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG, que foi a primeira entrevistada do jornal, lançado em 2005.
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Na hora de organizar o espaço físico da sala de aula, sempre me pergunto quais materiais seriam indispensáveis e auxiliariam em minha rotina escolar, sem causar poluição visual.
Uana Tereza Amaral de Araújo – E.M. Waldir Ferreira Mendes –1º, 2º e 3º anos
Ferreira Gomes – AP
Há alguns materiais que são, sim, indispensáveis, por duas razões: primeiro porque introduzem a criança na cultura da escola e, segundo, porque a introduzem no contato com a língua escrita. Quais são esses que introduzem a criança na rotina escolar? Pela primeira vez, ela tem contato com isso que se chama ‘chamada’. Então, um material na sala de aula para o controle diário da professora e dos alunos é importante: um cartaz ou outro suporte em que a criança veja a ‘chamada’, participe dela, e já vá se acostumando com a escrita dos nomes. Outro aspecto é que, quando a criança entra na cultura da escola, tem que aprender uma série de comportamentos que são próprios daquele ambiente. Por exemplo, não falar ao mesmo tempo que outros, pedir licença para falar: são os chamados ‘combinados’. É interessante que isso fique escrito na sala de aula, para que a professora possa se remeter aos combinados sempre que for necessário. E é interessante também para as crianças observarem que o que elas sugeriram oralmente a professora registra sob a forma de escrita.
Um terceiro material importante é o alfabeto inteiro na sala de aula. De princípio, a criança ter as letras diante dela é importante para que vá se habituando com essas formas. O conhecimento do significado, do valor, do que as letras representam, virá aos poucos e progressivamente. Também é importante pensar a localização dos materiais escritos na sala de aula. Por exemplo, é muito frequente o alfabeto, por falta de espaço, ser colocado lá no alto, em cima do quadro de giz; então a criança olha as letras de baixo para cima e tem uma visão um pouco distorcida. Todos esses materiais, quanto mais ficarem na altura da visão das crianças, melhor. Por outro lado, é preciso evitar mesmo, como diz a pergunta, excesso de materiais em volta da criança, criando ‘poluição visual’, dispersando a atenção da criança. Há materiais que devem estar permanentemente na sala, porque são usados diariamente ou com muita frequência: os citados acima – a lista dos alunos, os ‘combinados’, o alfabeto, o calendário, atualizado diariamente... a maioria, porém, são materiais que ocupam a sala provisoriamente, enquanto são desenvolvidas atividades baseadas neles.
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Minha maior dificuldade é fazer com que o aluno reconheça a letra.
Sabrina Ramos da Silva – E. M. Amélia Schemes
1º ano / Gravataí - RS
 Minha maior dificuldade é fazer com que os alunos reconheçam as letras do alfabeto. Este é o processo mais demorado na minha opinião... Eles sentem muita dificuldade em memorizar as letras maiúsculas e minúsculas.
Marivane Pereira Borges -  E.E. XV de Novembro - 3º ano
Tocantinópolis – TO

O que significa reconhecer a letra? Há vários aspectos nisso. É preciso que a criança reconheça que as letras são usadas para visualizar a fala. Quando a professora fala “vou escrever aqui essa parlenda que nós cantamos”, a criança vai reconhecendo as letras como algo que representa o som das palavras.
Mas ela tem de reconhecer as letras também enquanto um conjunto de traços e círculos, que são arbitrários. A criança, quando olha o material escrito, vê uma variedade de sinais, e precisa distinguir o que é letra e o que é outra coisa. O trabalho com o nome das crianças também ajuda muito. A criança que se chama Maria, na hora em que escreve seu nome, vê que escreve cinco letras e que a outra, que se chama Mariana, escreve mais letras, e ainda observa que a primeira letra dos dois nomes é igual, a primeira sílaba também.
Outra questão interessante é que, para a criança, no primeiro momento, a letra é um objeto como qualquer outro. Mas os objetos são simétricos:  se você vê uma xícara com a asa para o lado de cá e a boca para cima, é uma xícara. Você pode virar para o outro lado, continua sendo uma xícara. A letra não é assim. Se você toma um ‘p’ minúsculo, vira para o lado, vira um ‘q’, vira para cima, vira um ‘d’. Para a criança, é difícil desconsiderar a simetria dos objetos. As letras não são simétricas.
Começa-se a alfabetização sempre, em geral, com as letras maiúsculas, porque elas são mais fáceis para a criança traçar. E elas são independentes uma da outra: a criança vê cada letra, o que não acontece na cursiva, em que as letras ficam emendadas. Mas a minúscula não pode ser deixada de lado, porque a escrita é quase toda em minúscula; a maiúscula é para certos casos. Então a criança tem que se habituar também a fazer essa relação da maiúscula com a minúscula. É interessante que o alfabeto que fica exposto na sala de aula tenha a letra maiúscula e a letra minúscula, e ao mesmo tempo algum desenho, alguma figura, cujo nome comece com aquela letra, portanto, com o fonema que a letra representa. Porque aí a criança já vê três aspectos das letras: por exemplo, primeiro, vê a letra ‘D’ maiúscula; também vê que a letra ‘d’ minúscula é completamente diferente; e tem ainda o desenho de um objeto em que a letra inicial é o D e, ao dizer o nome do objeto, percebe o fonema que essa letra representa. A professora deve sempre destacar a sílaba inicial, para a criança identificar na sílaba o fonema que a letra representa. E não errar, porque costuma-se ver, nas salas de aula e até mesmo em livros de alfabeto, a figura de um anjo como exemplo de palavra que começa com a letra ‘A’, quando em ‘anjo’ o fonema representado não é o ‘A’ oral, mas o fonema /ã/, o ‘A’ nasal; o mesmo se pode dizer de ‘índio’ para ilustrar a letra I, ou ‘onça’ para ilustrar a letra O, etc. 
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Quando alfabetizamos, no início do processo, devemos apresentar o nome das letras ou o som das letras, ou mediar para que as crianças, no uso, descubram o som e o nome das letras ?
Viviane Beckert Spiess - E. M. Dr. Amadeu da Luz - 3º ano
Pomerode – SC
Minha maior dificuldade é fazer com que o aluno identifique a letra pelo nome e entenda que, juntando a outras, terá um outro som, e assim forma uma palavra.
Janece Godinho Soares – E. E. Vale do Guaporé - 2º ano
Pontes e Lacerda – MT
 No início do processo de alfabetização, o alfabetizador não deve se centralizar na letra nem no som da letra. Por quê? Sobretudo porque a letra corresponde a um fonema, e os fonemas linguisticamente não são pronunciáveis. A única exceção são as vogais, em que o nome da letra corresponde ao fonema que ela representa, embora uma letra vogal possa corresponder a mais de um fonema:  o ‘a’ representa o /a/ [como em ‘abrir’], mas também representa o /ã/ [como em ‘anjo’]; o ‘o’, que representa a vogal fechada, como em olhar, a vogal aberta, como em ódio, a vogal nasal, como em onça; o mesmo ocorre com as demais vogais. Fala-se muito que as vogais são cinco e na verdade elas são doze.
Então, não se trata de uma escolha entre representar o nome da letra ou o som da letra, porque não é possível pronunciar o som das letras, das consoantes. Você até pode apresentar o nome das letras, e isso costuma ajudar, porque uma boa parte das letras do nosso alfabeto tem um nome em que está presente o fonema que ela representa. Por exemplo, o nome da letra ‘p’ é uma sílaba [pê], que começa com o fonema que essa letra representa. Em outras letras, o fonema a que a letra corresponde aparece no meio do nome. Por exemplo, na letra ‘m’, que tem o nome ‘eme’, que se pronuncia  ‘emi’, o fonema /m/ está no meio do nome da letra. Tanto é assim que é frequente, por exemplo, a criança transformar uma letra numa sílaba: ao escrever, por exemplo, ‘peteca’, ela coloca apenas o ‘p’ representando a sílaba ‘pe’. Isso mostra que o nome da letra ajuda a criança a perceber o fonema que ela representa. Mas o que é fundamental é sempre trabalhar a letra na palavra, ou na sílaba, e não a letra isoladamente representando um som, porque não é possível pronunciar o som da letra, o fonema a que ela corresponde. Assim, não se trata de apresentar o nome da letra ou o som da letra. É um processo integrado: letras, sons das letras acompanhando o desenvolvimento da criança nas etapas psicogenéticas. A aprendizagem do sistema alfabético se dá pelo desenvolvimento simultâneo da conceitualização da escrita (as fases psicognéticas), o conhecimento das letras e a identificação dos fonemas a que as letras correspondem.
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Trabalhar consciência fonológica é focar o som da letra ou da sílaba? É importante trabalhar rima e aliteração? Por quê?
Maria José Dias - E. M. José Brasil Dias  - 1º ano
Nova Lima – MG
Tenho dúvida em relação ao que enfatizar primeiro, se o som das letras ou seu formato. A criança primeiro formula suas hipóteses com os códigos ou cria uma consciência fonológica?
Rejane Antunes Monteiro – C. E. Félix da Cunha - 1º ano
Pelotas – RS
 Logo que nasce, a criança põe o foco sobretudo nos sons das palavras que as pessoas falam em volta dela. Tanto que começa a repeti-los, em geral os mais fáceis, que são os bilabiais [como em ‘pá-pá-pá’ e ‘mã-mã-mã’]. À medida que vai dando sentido a esses sons, a criança vai se desligando deles e passando a se fixar no significado. O que a gente precisa fazer na alfabetização é levar a criança a voltar a prestar atenção no som das palavras, pois a escrita alfabética representa o som das palavras, não o significado delas. Por isso, é importante desenvolver, desde a Educação Infantil, a consciência fonológica. Por exemplo, para que se trabalha rima? Se a professora trabalha bem uma parlenda em que a rima está presente, ela chama a atenção para o final igual: "Capelinha de melão /É de São João". A criança vai percebendo sons iguais, coloca sua atenção no som da parlenda, não só em seu significado. A aliteração, quando se focalizam palavras que começam com a mesma sílaba ou o mesmo fonema, que é o tipo de aliteração mais fácil para a criança em fase de alfabetização, o objetivo é também chamar a atenção para sons iguais, independentemente do significado das palavras; por exemplo: “vamos encontrar palavras que começam igual a ‘maçã’, ‘ma-çã’, que comece com ‘ma’. Igual a meu nome, Ma-gda. Quem me fala uma palavra que começa com ‘ma’?” E as respostas costumam ser: pera, laranja, abacaxi. Porque estão pensando na fruta maçã, o foco está no campo semântico da palavra, frutas. Essa passagem do foco no significado para o foco no som da palavra é um dos aspectos do desenvolvimento da consciência fonológica fundamental para a alfabetização: levar a criança a perceber os sons das palavras prepara-a para compreender que registra os sons das palavras, quando escreve, não o significado delas.
Uma outra dimensão da consciência fonológica é a criança perceber que a palavra pode ser dividida, segmentada, que é possível dividir ‘boneca’ em ‘bo-ne-ca’, ‘mesa’ em ‘me-sa’. Quando percebe essa possibilidade de segmentação, e põe o foco no som das sílabas, e não no significado da palavra, é que a criança chega à fase silábica, e é a sílaba que vai permitir que ela chegue ao fonema, confrontando sílabas em que apenas uma letra – um fonema – é diferente, porque só se chega ao fonema pela oposição. Quando a criança opõe ‘mar’, com ‘par’, com ‘lar’, vai ter possibilidade de identificar, pelo confronto, os fonemas representados pelas letras M, P, L, e observa que o sentido da palavra muda porque mudou o fonema inicial. Quando se fala em consciência fonológica, se está falando em um conjunto que envolve: a consciência do som da palavra, de partes iguais das palavras (rima e aliteração), da segmentação da palavra em partes, de consciência silábica e finalmente de consciência fonêmica. É um processo de desenvolvimento da criança que ocorre conjugando a aprendizagem das letras com a correspondência delas a fonemas, o que depende do desenvolvimento da consciência fonológica em seus vários níveis. 
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Existe muita cobrança dos pais e até de outros professores para que os alunos saiam do 1º ano alfabetizados. Sendo assim, ao final do 1º ano, todos os alunos devem estar alfabetizados?
Poliana Adelize Antoniazi Redondo –E. M. João Seber - 1º ano
Torrinha - SP
Tenho alunos que ainda não estão alfabetizados. O que fazer?
Cristiana Maria da Silva – E. M. Vereador Dormelino de Souza - 1º ano
Campo Florido – MG
A alfabetização é um processo contínuo, em que não é possível definir uma linha de corte e dizer: “aqui, nesse momento, esta criança está alfabetizada”. Isso vai depender do conceito de alfabetização que se adota. Se a criança está alfabética, na terminologia da psicogênese, ou seja, se ela descobriu que se escreve com letras e que as letras representam sons, pode-se considerar essa criança alfabetizada? É pouco, mas pode-se considerar. Isso acontece, em geral, no 1º ano, ou mesmo no fim da Educação Infantil, caso essa etapa tenha trabalhado sistematicamente não propriamente a alfabetização, mas tenha orientado e incentivado o processo progressivo de compreensão da escrita pela criança. Essa ideia de que no fim do 1º ano as crianças têm que estar alfabetizadas é uma ideia mais do senso comum do que propriamente de teorias de alfabetização e até mesmo das políticas públicas. As políticas públicas determinam que, ao fim do 3º ano, aos 8 anos de idade, a criança deve estar alfabetizada, isso significando que ela já seja capaz de escrever e ler pequenos textos e que leia com razoável fluência. Essa definição é fundamentalmente política, e se orienta pelo critério de atendimento às demandas sociais básicas de domínio da leitura e da escrita.
O mais importante, para responder a essas perguntas, é que não há possibilidade, do ponto de vista conceitual, de definir um ponto preciso em que a criança esteja alfabetizada. Como a alfabetização é um processo contínuo, há crianças que estão alfabetizadas, no conceito que as políticas propõem, já no 1º ano; outras, no 2º ano; outras só quando chegam ao 3º ano. E há as que demoram ainda mais tempo. É um processo muito complexo e muito abstrato aprender a língua escrita, depende de muitos fatores que atuam de forma diferente sobre as crianças.
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Qual seria a melhor estratégia para que os alunos de melhor desempenho na leitura avancem e ao mesmo tempo os demais, que ainda não consolidaram o processo de leitura, possam alcançá-lo?
Leni Aparecida Pereira Almeida – E. M. Eva Adeilda de Oliveira Almeida - 1º ano
Engenheiro Navarro – MG
 Hoje em dia é dito que devemos respeitar cada criança em seu tempo de aprendizagem, mas como equacionar isso numa sala de aula durante as atividades?
Claudia Cardamone - E. R. Profª Avani da Silva Santos - 1º ano
Paulo Lopes – SC
Realmente, toda professora alfabetizadora encontra na sua turma alunos em níveis diferentes no processo de descoberta do que é a escrita alfabética. Mesmo depois que todos já se tornaram alfabéticos, ainda há alunos que já estão lendo com mais fluência, outros com menos, os que já conseguem escrever uma sentença, outros que ainda não chegaram aí. O mais importante é que a alfabetizadora conheça muito bem o processo de aprendizagem da língua escrita pela criança, sob vários aspectos: do ponto de vista da psicogênese, do ponto de vista da psicologia cognitiva, e do ponto de vista linguístico; que compreenda que a criança está aprendendo um objeto linguístico que tem características específicas. Se a professora conhece bem isso, ela é capaz de orientar a criança, de detectar em que ponto cada criança está e que interferência pode ou deve fazer para que cada uma avance. Ao compreender o processo, a professora se torna capaz de encontrar soluções e vai saber o que fazer com cada aluno, com cada grupo de alunos. E são vários os procedimentos para trabalhar com grupos. Uma possibilidade é dar atividades para alguns grupos enquanto a professora trabalha com outro, sem deixar de passar de grupo em grupo. Ou reunindo num mesmo grupo alunos em diferentes níveis, de modo que os mais adiantados impulsionem e ensinem os colegas. São procedimentos vários para diferenciar a alfabetização para alunos que são diferentes e avançam em ritmos diferentes. Mas insisto que o mais importante é a alfabetizadora conhecer o processo de desenvolvimento e de aprendizagem da criança, e como se organiza o sistema de representação que é esse objeto linguístico, a língua escrita, para que possa articular esses conhecimentos com os níveis dos alunos e trabalhar com segurança as diferenças.
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Em relação à meta do governo federal, de alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do 3º ano do Ensino Fundamental, os alunos com dificuldade de aprendizagem também estão incluídos?
Ana Célia de Araujo Arantes Batista –N. E. M. Antonio Pereira dos Santos – 3º ano
Nova Olinda – TO
 Quando a política pública estabelece que todas as crianças devem estar alfabetizadas no máximo até o 3º ano, é interessante observar que, na legislação, no Plano Nacional de Educação, a expressão é “no máximo até o 3º ano”. Ou seja, é possível que seja antes disso. Mas aqui entra de novo o que eu já disse ao responder a perguntas anteriores: o que está se entendendo por uma criança alfabetizada? Qual é o conceito de alfabetização que está presente aí? É um problema em nosso país o fato de que o que vem determinando o que é uma criança alfabetizada no 3º ano é a prova de Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). O que a ANA avalia acaba sendo a visão que a política pública tem do que é uma criança alfabetizada: uma criança capaz de responder àquela prova. Mas será que é isso mesmo? A definição teria que partir não de uma prova, mas de uma reflexão teoricamente fundamentada, cuidadosa, sobre quais os comportamentos, habilidades e conhecimentos que a criança deve ter no 3º ano para que se possa considerá-la alfabetizada. Aqui entra a questão da Base Nacional Comum Curricular, atualmente em discussão, que tem o objetivo, entre outros, de definir o que se espera que as crianças tenham atingido, ao final do 3º ano, como conhecimentos e habilidades na área da aprendizagem da leitura e da escrita. E aí, sim, as avaliações externas avaliariam aquilo que foi definido na Base Nacional Comum, aquilo que orientou os alfabetizadores em seu ensino.
Mas a pergunta menciona, com toda razão, que há crianças que chegam ao terceiro ano num ponto do processo de alfabetização diferente das outras: são aquelas consideradas com ‘dificuldades de aprendizagem’. Eu costumo dizer que, mais frequentemente, são “dificuldades de ensinagem”... já que frequentemente ocorrem porque alfabetizadoras, não tendo um pleno domínio do processo de aprendizagem da criança, não sabem como ajudá-la a tempo. Há crianças que ficam para trás, e não são acudidas naquilo que precisam ser acudidas. Há inúmeras sugestões nas resoluções, nas leis, nos decretos de conselhos estaduais e federal de que, desde o primeiro momento em que se identifica que a criança tem dificuldades, já se tem de dar uma atenção especial a ela. O que é, em tese, muito bom, mas as escolas públicas não têm tido condição de dar esse atendimento pessoal. Consequência: as crianças têm ido para a frente sem condições para isso. 
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O professor que usa uma miscelânea de métodos na alfabetização mais ajuda ou atrapalha na hora de alfabetizar?
Naia Araújo Rodrigues - E.M. Professora Hilda Carvalho Mendes - 2º ano
Montes Claros – MG
 Qual o melhor método para alfabetizar?
Cecilia Santana Jurec Kania –E. M. Antônio Andrade - 1º ano
Pinhais - PR
Na verdade, a questão mais importante, na alfabetização, não é ter um método, nem ter vários métodos e fazer uma miscelânea, ou aquilo que as professoras chamam de ‘método eclético’ – que revela, no fundo, uma certa sabedoria, porque, quando você examina os métodos de alfabetização que foram surgindo ao longo do tempo (fônico, silábico, global, etc), vê-se que cada um deles considerou um lado da alfabetização, ignorando os outros lados. O problema dos métodos chamados ‘tradicionais’ é que eles consideram ou um lado ou outro do multifacetado processo de alfabetização. Na alfabetização, é preciso desenvolver vários e diferentes aspectos simultaneamente. O que até permite admitir uma certa vantagem de quem faz uso de vários métodos, chamado aqui de ‘miscelânea’. O nome, porém, não é muito adequado, porque não se trata de fazer uma ‘miscelânea’ e, sim, de usar procedimentos adequados para cada meta, cada objetivo, considerando o ponto em que a criança está, de acordo com o processo cognitivo da criança e sua aprendizagem linguística. Para mim, a questão, como já disse em respostas anteriores, não é haver ‘um’ método para alfabetizar. Eu gosto de trocar a ordem dessa expressão e propor que o que é preciso é “alfabetizar com método”: o alfabetizador que entende o processo da criança trabalha com clareza, com sistematicidade, com sequência, de acordo com aquilo que é preciso fazer em cada faceta do processo, em cada etapa em que as crianças estão. Não se alfabetiza desenvolvendo uma atividade aqui, outra ali, um dia isso, outro dia aquilo, mas se alfabetiza tendo uma visão do processo como um todo e orientando a criança ao longo desse processo.
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Minha maior dúvida é se ainda é importante trabalhar a letra cursiva na alfabetização.
Maria Amélia de Ávila Madruga –E. E. República Riograndense - 1º ano
Piratini – RS
  Posso permitir que, mesmo no 3º ano, apesar de conhecerem as duas escritas, meus alunos continuem com a escrita da letra palito, ou devo cobrar o uso da letra cursiva?
Zaira Maria Soares Vargas - E. M. Zeferino Antunes de Almeida - 2º e 3º anos
Entre-Ijuís – RS
 Quando as professoras perguntam se ainda é importante trabalhar a letra cursiva, se a criança pode optar por não usar a letra cursiva, está subjacente às perguntas o reconhecimento de que a letra cursiva vem sendo cada vez menos usada, porque realmente a tendência é que a tecnologia leve as pessoas a digitarem mais que a escreverem com lápis e papel. Mas acho que ainda é cedo para acreditar que, em curto prazo, as pessoas não vão mais escrever à mão, embora em alguns países já esteja sendo retirado da escola oficialmente o ensino da letra cursiva. Eu não sou tão avançada assim para concordar com isso... acho que a cursiva ainda é necessária em várias situações, nas práticas cotidianas. No entanto, é preciso reconhecer que, se antigamente era realmente necessário que a criança dominasse a cursiva, e eram comuns as aulas de caligrafia, hoje em dia cada vez menos esse ensino é necessário; mas é importante que a criança pelo menos saiba ler um texto em letra cursiva, porque ela vai se deparar muitas vezes com textos em cursiva. Por outro lado, o que é interessante é que o ensino da cursiva, se não for entendido como ensino de caligrafia, é quase desnecessário, porque as crianças passam quase naturalmente para a cursiva, muito por influência da família, sobretudo crianças das escolas públicas, com menos acesso às tecnologias. Pode haver uma orientação da professora, mas penso que  quase se pode deixar isso por conta da criança, e penso que se pode não exigir a cursiva. O que se deve cobrar é que a escrita seja legível porque, se a escrita é uma forma de comunicação, ela tem de possibilitar que o outro consiga ler o que é comunicado.
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Como tornar o processo de aquisição da leitura uma prática prazerosa, na qual a criança tenha vontade de aprender, mesmo diante das dificuldades que estão presentes no seu dia a dia, em casa, no bairro e na família em que está inserida?
Amanda Maria Ribeiro Amorim - Escola Municipal Professora Maria do Socorro 
Ferreira Virino - 2º ano
Fortaleza – CE
 Essas dificuldades, que se referem sobretudo às crianças das camadas populares, que frequentam as escolas públicas, são mais imaginadas pela escola e pelas classes privilegiadas do que propriamente reais. As crianças de escolas públicas realmente não têm as condições econômicas e sociais que têm as crianças das camadas privilegiadas, mas, como toda criança, elas são alegres, felizes, e brincam talvez muito mais do que as crianças das classes médias. Ajudam, sim, em casa, mas isso não impede que elas tenham prazeres, entre os quais, a leitura. No entanto, é preciso reconhecer que o livro, particularmente o livro de literatura infantil, é em geral muito pouco presente no contexto familiar das crianças das escolas públicas. Cabe à escola suprir essa lacuna. A alfabetização deve partir da leitura do livro infantil – porque esse é o material que agrada e atrai a criança. A partir da história, a professora tem condições de desenvolver, além de habilidades de compreensão e interpretação, a aprendizagem do sistema de escrita, por exemplo, ao tomar algumas palavras para buscar rimas, aliterações, segmentação em sílabas, ao orientar reescritas, e tantas outras atividades que um texto pode sugerir. O importante é a criança ter contato tanto quanto possível com livros de literatura infantil na escola. Tem que haver biblioteca na escola, bem montada, atraente. Se lamentavelmente não tem, que pelo menos tenha um canto de leitura atraente, onde as crianças tenham liberdade de manipular livros, e que tudo que a professora faça parta de textos e retorne a textos. O princípio de tudo é o texto que traga prazer para a criança: a história, a narrativa, a poesia, e até o texto informativo que responda a curiosidades. Ou seja, o fundamental é evitar fazer da aprendizagem da leitura e da escrita uma coisa árida, automática, desligada do mundo da escrita.
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Qual é o significado de letramento? Como alfabetizar letrando?
Rosenaide Aparecida Tavora – Coordenadora local do Pacto Nacional pela 
Alfabetização na Idade Certa
Alvorada D’Oeste – RO
Letramento é uma palavra que surgiu no nosso vocabulário, e no vocabulário especificamente da educação, nos anos 1980. E surgiu por que e para designar o quê? Nós vínhamos, até o final dos anos 70, com a preocupação básica de alfabetizar tanto crianças quanto adultos – ensinar a ler e a escrever. Mas, à medida que a sociedade se foi tornando cada vez mais centrada na escrita, e cada vez exige mais das pessoas a leitura e a escrita de diferentes gêneros em diferentes suportes, não basta a pessoa ser alfabetizada, no sentido de apenas saber ler e escrever, que é o sentido que se atribui à alfabetização: a qualquer pessoa a quem você pergunte o que é alfabetização, o que ela responde? É saber ler e escrever. O que é uma criança alfabetizada? Uma criança que sabe ler e escrever. O reconhecimento de que é preciso não só saber ler e escrever, mas também saber fazer uso da leitura e da escrita nas situações sociais em que a língua escrita está presente é que fez surgir a palavra letramento, para nomear esses outros aspectos da aprendizagem da leitura e da escrita. Assim, ampliou-se a concepção do que é a aprendizagem da leitura e da escrita: alfabetização e letramento, alfabetização como aprendizagem do sistema alfabético da escrita e da norma ortográfica, e letramento como desenvolvimento das habilidades e dos conhecimentos necessários para que a criança faça uso competente da leitura e da escrita nas situações sociais em que a leitura e a escrita são demandadas. São processos diferentes: alfabetizar é orientar processos cognitivos e linguísticos para o domínio do objeto linguístico que é a língua escrita, letrar é desenvolver conhecimentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita.  São processos diferentes, mas os dois têm que caminhar juntos, para que a criança entre no mundo da escrita em sua totalidade. Então, alfabetizar letrando é alfabetizar a partir de textos, e textos reais, de diferentes gêneros, em diferentes suportes, textos que realmente circulam no mundo da criança.
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Que critérios o professor deve levar em consideração para avaliar os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental?
Clovilma Maria Silva Oliveira – Unidade de Ensino Cirilo Batista– 1º, 2º e 3º anos
Jucurutu – RN
Em qualquer fase, mas sobretudo na fase da alfabetização, o importante é uma avaliação diagnóstica bastante frequente. Para quê? Para acompanhar o desenvolvimento da criança em seu progressivo domínio da leitura e da escrita. Não uma avaliação para dar nota, para aprovar ou reprovar, mas para identificar o que o aluno já venceu e o que ainda não venceu. Diante dos resultados de um diagnóstico, a alfabetizadora se pergunta: “Eu venho percorrendo com meus alunos um processo e a esta altura preciso ver se eles já desenvolveram a consciência silábica, se já estão escrevendo silabicamente, se já se aproximam da identificação dos fonemas ou não, para eu saber se avanço ou não.” “Eles já estão escrevendo, mas com que dificuldades?” A avaliação tem sempre o sentido de diagnóstico, de buscar formas de identificar o que a criança aprendeu, o que não aprendeu ainda, e assim decidir o que é preciso fazer. Os critérios para avaliar são determinados pela orientação que o professor está dando ao seu ensino: o que ensinou – as crianças aprenderam?
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Qual a melhor metodologia para ensinar a gramática contextualizada?
Maria Almeida de Amorim – E. M. Dr. Severiano - 3º ano
Coronel João Pessoa – RN
Todos nós, desde que nascemos, vamos construindo uma gramática interna. E a criança pequena e em fase de alfabetização fala gramaticalmente. Em geral, não é necessário ficar ensinando à criança que “substantivo é a palavra que...”, “adjetivo é isso”, “o verbo é aquilo”, porque ela já usa verbo, adjetivo e substantivo. A gramática contextualizada – ensinada no contexto da leitura e da escrita – tem o objetivo de enriquecer as possibilidades de compreensão e de produção de textos da criança. Assim, ‘contextualizada’ significa a gramática no contexto da leitura e da produção de texto: está-se lendo um texto, uma história, e ali aparece algum aspecto gramatical que é próprio da língua escrita e que enriquece a escrita da criança, então pode-se chamar a atenção para aquilo. A gramática em todo o Ensino Fundamental é uma gramática a serviço da leitura e da produção de texto. Quando o aluno escreve e erra alguma coisa, como uma conjugação verbal ou uma concordância, aquele é o momento de chamar a atenção para isso, para o aluno analisar a frase, identificar e construir a regra que corrigiria aquilo. Mas esse procedimento é realizado à medida que as oportunidades vão aparecendo, nos textos de leitura, nos textos produzidos pelos alunos, por isso é uma gramática contextualizada, aprendida em contextos reais de uso da língua escrita.
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Retirado do CEALE

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