Em tempos não muito distantes o processo de alfabetização se caracterizava pela necessidade de os alunos decorarem letras ou sílabas e posteriormente à junção das mesmas, formando assim algumas palavras completamente descontextualizadas da realidade do aluno. Em suma, alunos que tinham facilidade em decorar, aprendiam rapidamente, os demais deveriam esforçar-se bastante, a fim de compreender o que significavam aqueles “símbolos” que diariamente lhes eram apresentados.
As formas tradicionais de alfabetização[1]também consideravam que se deveria “ensinar” às crianças que cada letra representa um som, acreditando que isso garantiria sucesso, como se o processo de alfabetização pudesse se resumir ao aprendizado de letras e sílabas.
Nos livros escritos por Emília Ferreiro, há citações que retratam esta realidade, como
Tradicionalmente as discussões sobre a prática alfabetizadora têm se centrado na polêmica sobre os métodos utilizados: métodos analíticos versus métodos sintéticos: fonético versus global, etc. Nenhuma dessas discussões levou em conta o que agora conhecemos: as concepções das crianças sobre o sistema de escrita. Se aceitarmos que a criança não é uma tábua rasa onde se inscrevem letras e as palavras segundo determinado método; se aceitarmos que o “fácil” e o “difícil” não podem ser definidos a partir da perspectiva do adulto, mas da de quem aprende; se aceitarmos que qualquer informação deve ser assimilada (e, portanto transformada) para ser operante, então deveríamos também aceitar que os métodos (como seqüência de passos ordenados para chegar a um fim) não oferecem mais do que sugestões, incitações, quando não práticas rituais ou conjunto de proibições. O método não pode criar conhecimento. (FERREIRO, 1986, p. 29)
Ser alfabetizado é mais do que traduzir o texto escrito, é principalmente, compreender o que está escrito, processar o significado da mensagem que o autor pretende transmitir. Ingressa então a perspectiva do letramento, fazendo com que ele exerça sua condição de alfabetizado, sendo realmente um interlocutor do texto, compreendendo, aceitando ou questionando o conteúdo do que lê.
Desde muito cedo, as crianças já convivem com a língua escrita no seu dia-a-dia. Essa convivência faz com que elas elaborem estratégias de compreensão e apropriação do sistema da escrita. Se a criança for levada a entender que a escrita é apenas a transcrição de sons em letras, ela considerará a aprendizagem da escrita como aquisição de uma técnica. Por outro lado, se entender que a escrita é um sistema como aquisição da língua, sua aprendizagem se voltará para um conhecimento novo. Ferreiro, há um bom tempo atrás, já fazia menções sobre estes aspectos,
A criança trabalha cognitivamente (isto é, procura compreender) desde muito cedo informações das mais variadas procedências: os próprios textos nos respectivos contextos em que aparecem (embalagens, cartazes de rua, tevê, peças de vestuário, assim como livros e periódicos); informação específica destinada às crianças (alguém lê uma história para elas, diz-lhes que esta ou aquela forma é uma letra ou um número, escreve seu nome para elas, etc.); informação obtida através de sua participação em atos sociais dos quais fazem parte o ler e o escrever. [...] Provavelmente, é através de uma participação ampla e firme nesse tipo de situações sociais que a criança chega a entender alguns usos sociais da escrita. (FERREIRO, 1986, p. 98)
PENSAMENTO PEDAGÓGICO DE EMÍLIA FERREIRO
Para ajudar a entender melhor o processo de construção da leitura e da escrita, procurei embasamento teórico em Emília Ferreiro , pesquisadora argentina que desenvolveu uma teoria ligada à alfabetização. Sendo que irei abordar em pequenos tópicos do que se trata esta teoria, que tem como característica, três etapas principais: Nível Pré-Silábico, Nível Silábico e Nível Alfabético.
Nível Pré-silábico
Caminhando na direção da representação da língua, a criança percebe que, além do desenho, existe outra forma de representá-la e passa a utilizar marcas, podendo ser garatujas, números ou até letras.
Nos primeiros momentos dessa produção “escrita”, quando já existe a vontade de representar através da escrita, isto é, quando o aluno já diferencia desenho de escrita, ela ainda não tenta representar a palavra e sim o objeto. Se uma criança for mostrada a uma garrafa e solicitamos que ela escreva o nome do objeto, ela fará a tal representação imaginando que está representando a garrafa (objeto) e não a palavra garrafa. Essa fase é a denominada nível pré-silábico.
Aqui, a criança acredita que existam umas “figuras” para serem lidas e outras que não servem para ler, isto é, os desenhos não servem para serem lidos e as letras e números - que não são diferenciados ainda - servem para leitura. Baseada na teoria de Ferreiro, Grossi ressalta,
Em grandes linhas, no nível pré-silábico os sujeitos que aprendem têm uma visão sincrética dos elementos da alfabetização. Letras podem estar associadas a palavras inteiras, portanto representam um ente global, por exemplo, quando eles se referem à “minha letra”, isto é, à letra do seu nome. Por outro lado, uma página inteira de letras pode corresponder a uma só palavra. Não há discriminação das unidades lingüísticas e, sobretudo há completa ausência de vinculação entre a pronúncia das partes de uma palavra ou de uma frase e sua escrita. Os problemas que o sujeito se coloca neste nível, a respeito da alfabetização, se referem a amplos interrogantes sobre como se representam graficamente aspectos da realidade elaborados pelo pensamento verbal. Ele começa a se questionar sobre o significado dos sinais escritos – estes risquinhos sobre o papel, isto é, o que representa a escrita. (GROSSI, 1990, p.56)
Para a “leitura”, que nesse momento é global e também para a escrita, a criança usa critérios quantitativos e qualitativos. Os primeiros se referem principalmente à quantidade de letras. Para se obter escritas: mínimo de 3 letras e máximo de 7. O segundo tipo de critério faz com que a criança utilize as mesmas marcas ou letras para representar coisas diferentes, apenas variando a posição das letras. Nessa fase, os alunos acham que os nomes das pessoas e das coisas têm relação com o seu tamanho ou idade, isso é denominado realismo nominal. Ao escrever elefante, a criança usará muitas letras por ser um animal grande, já para escrever formiguinha usará poucas letras, devido ao tamanho da formiga.
Nível silábico
Nessa fase, a escrita não representa mais o objeto e sim a letra e o alfabetizando começa a perceber que os segmentos da escrita podem representar os sons da fala, e, a partir daí, formula a hipótese de que cada letra vale uma sílaba. Escreve por exemplo IAG para representar a palavra GIRAFA. Num grau de evolução maior as crianças já empregam em suas grafias as vogais como marcos silábicos e com o seu valor convencional. Por exemplo, para escrever gato ou pato utilizam as mesmas vogais “AO”. Isso gera um conflito nos alunos que, até então, acreditavam que para escrever palavras diferentes era necessárias letras diferentes.
Outras contradições dizem respeito aos monossilábicos que, por essa hipótese (silábica), deveriam ser escritos com apenas uma letra, mas pela hipótese anterior (pré-silábica), uma palavra não poderia ter menos de três letras. Quando a criança está na transição entre as hipóteses pré-silábicas e silábicas e quer escrever, por exemplo, a palavra pé, normalmente usa apenas a letra E, mas como supõe que não pode escrever palavras com menos de três letras ela acrescenta outras, escrevendo “pé” da seguinte forma: EBN.
Grossi sistematiza o nível silábico, da seguinte maneira,
No caso da entrada no nível silábico, o sujeito deixou de apoiar-se em idéias de vinculação dos aspectos figurativos do referente à palavra que o representa, superou a visão global da palavra como um todo para considerá-la formada por segmentos, encontrou um suporte que garante a estabilidade da escrita das palavras, isto é, cada palavra é sempre escrita com as mesmas letras (não pode acontecer mais de associar palavras diferentes a escritas iguais nem escritas diferentes se associarem a uma mesma palavra), começa a ver que tudo o que diz se escreve (não só os substantivos concretos)... Isto tudo significa uma revolução impressionante na maneira de pensar do sujeito que está investindo sobre a escrita, e esta revolução impressionante na maneira de pensar do sujeito que está investindo sobre a escrita, e esta revolução foi apenas esboçada. Ele colocou novos alicerces no edifício do seu raciocínio, estabelecendo novos pontos de apoio, mas é preciso, como na construção de uma casa, fechar paredes, pôr-lhe cobertura, etc. Esta segunda fase intelectual é o que Piaget denomina de fase discursiva. (GROSSI, 1990, p.56)
Entretanto o alfabetizando irá com o passar do tempo entrar em uma fase intermediária entre os níveis silábico e alfabético. Sendo assim, descobre que a sílaba não é a menor unidade da palavra; e que uma letra sozinha não serve para representar uma sílaba que, em geral, é composta por elementos menores ainda. Ao descobrir que o esquema de uma letra para cada sílaba não funciona, a primeira tentativa da criança é acrescentar mais letras aleatoriamente. O que vai ajudá-la é a noção da escrita de algumas palavras que já conhece como seu nome, os nomes de seus familiares ou de pessoas conhecidas, nomes dos produtos de seu uso e outros. Segundo Grossi,
O confronto entre as grafias corretas de palavras e o tipo de escrita silábica produzido pela criança é fonte de reflexão, e ajuda a passagem para o nível alfabético, por que o aluno se dá conta de que há algo incorreto na sua escrita que necessita ser alterado. (GROSSI, 1990, p.21)
Nesse momento, como em todos os outros, é de suma importância que a o aluno tenha contato com variados portadores de texto e vários registros escritos para que avance em seu processo de construção. O contato com jogos e atividades em que as letras e sílabas sejam móveis, é muito importante para que a criança evolua na sua construção alfabética.
Nível alfabético
No início dessa hipótese, o estudante procurará solucionar esse problema acrescentado letras às palavras novamente. Surgirão outros conflitos: logo perceberá que, em algumas vezes, um único fonema pode ser representado por várias letras e que pode existir mais de uma letra para um mesmo fonema. Ela também percebe que, a partir do contexto em que está inserida, a palavra deverá ser lida diferentemente.
Grossi coloca como de suma importância o professor saber que,
[...] ter compreendido a formação alfabética das sílabas, não tem vinculação expressa com o reconhecimento do valor convencional das sílabas não tem vinculação com o reconhecimento do valor convencional do som das letras escritas. Um aluno pode estar alfabético conhecendo pequeno ou grande número de letras. Por isso, continuar trabalhando este reconhecimento pode ser necessário mesmo para alunos alfabéticos. Também é importante assinalar que somente no nível alfabético uma vinculação mais coerente consegue ser estabelecida entre leitura e escrita que, até então, tinham laço esporádico, flutuante, gratuito ou tênue. (GROSSI, 1990, p.24)
Tudo isso que gera conflitos nos alunos que serão levadas à descoberta de que existem regras para a escrita e que certas ”coisas”, certas regras devem ser memorizadas ou, segundo Piaget, devem ser “assimiladas”. As regras para a ortografia correta deverão ser trabalhadas somente quando a criança já estiver completamente alfabetizada, quando poderá passar ao nível ortográfico.
No processo de construção de conhecimento, as crianças de idades aproximadas e expostas aos mesmos estímulos não aprendem em ritmo uniforme. Em geral, as que tiveram contato, desde cedo, com situações de letramento[2], assistindo e participando de atos de leitura e de escrita, levam para a escola conhecimentos prévios que facilitam sua alfabetização.
Mas o fato de os alunos da turma estar em estágios diferentes de letramento, ao invés de ser uma desvantagem, torna-se uma vantagem, quando o professor souber tirar proveito da situação. Enfatizando estas palavras Grossi, ressalta,
Dificilmente uma classe inteira de alunos avança igualmente no mesmo espaço de tempo. Esta heterogeneidade, ao invés de atrapalhar é muito benéfica ao andamento dos trabalhos em aula. Na inteiração de pontos de vista diferentes aumenta as possibilidades de aprender. A emulação que se cria quando os alunos se percebem em níveis distintos, se bem conduzidas, é fator de muito progresso numa classe. (GROSSI, 1990, p.27)
A primeira e mais eficiente estratégia consiste em agrupar os alunos por níveis diferentes de desenvolvimento, sempre deixando no grupo um aluno mais adiantado. Este servirá de estímulo para os outros avançarem do estágio em que se concentram (Desenvolvimento Real) para o estágio seguinte (Estágio Potencial) [3]. Ter o colega como modelo, ou mesmo como monitor, é mais produtivo por várias razões: O colega está mais próximo, fisicamente, o tempo todo. O colega não é adulto, portanto é mais acessível do ponto de vista da criança, é gratificante para o colega informante servir de monitor.
Com a contribuição de pesquisadores como Vygotsky, Ferreiro e outros, o conceito de alfabetização, bem como o modo de processá-lo, vem-se modificando nos últimos dez anos. A criança se alfabetiza participando de verdadeiros atos de leitura como: escutando histórias lidas, reproduzindo a história em voz alta, “relendo-a” e reconhecendo aqui e ali uma palavra do texto. Também “lendo” histórias em livros e revistas, mesmo não sabendo decodificar os escritos, mas sendo auxiliada pelas imagens e uma ou outra palavra reconhece.
Comparando rótulos de produtos similares e marcas diferentes, reconhecendo-os pelas cores, logotipos e escritos. “Lendo” e produzindo bilhetes, cartas, convites para destinatários reais, antes de saber codificar e decodificar o que escreve. Trazendo para a classe e “lendo” as outras por educação. Comparando os nomes dos colegas com o dela e descobrindo que o tamanho da palavra não é relativo ao tamanho ou à idade do ser nomeado, mas relativo à pauta sonora que indica a quantidade de sílabas da palavra e, posteriormente, quantos e quais fonemas a formam.
Nesse sentido é importante trabalharmos de acordo com as orientações transmitidas pelo MEC a respeito do Ensino Fundamental de nove anos, pois segundo Borba,
Aprender a ler imagens, sons, objetos, ampliam nossas possibilidades de sentir e refletir sobre novas ações que criem outras formas de vida no sentido de uma sociedade justa e feliz, assim como incita as crianças a também se tornarem autoras de suas produções e de suas vidas ao mesmo tempo em que se responsabilizam pela nossa herança cultural, por descobrirem seu valor. (BORBA, 2007, p. 55)
Estamos no século XXI, mas, ainda há muitas dúvidas sobre a melhor forma de alfabetizar nossos alunos. Entretanto com o novo paradigma do ensino fundamental de nove anos, temos que ter muita “bagagem teórica” e ajustá-la a nossa prática, procurando dar o nosso melhor e ampliar todas as possibilidades de fazer nossos alunos interagir evidenciando aquilo que sabem e como o sabem. Precisamos ter uma visão bem clara de qual nível cada aluno se encontra e procurar fazê-lo almejar a ir em busca de algo a mais. Se há algum método de alfabetização de melhor eficácia? Por enquanto não sei, mas com certeza qualquer método só será bom quando ele estiver voltado para o ser, o fazer, o conhecer e o aprender.
Diante deste paradigma destaco as orientações dadas pelo MEC, quanto ao Ensino Fundamental de nove anos,
Nessa faixa etária a criança já apresenta grandes possibilidades de simbolizar e compreender o mundo, estruturando seu pensamento e fazendo múltiplas linguagens. [...] especificamente em relação à linguagem escrita, a criança, nessa idade ou fase de desenvolvimento, que vive numa sociedade letrada, possui um forte desejo de aprender, somado ao especial significado que tem para ela freqüentar uma escola. [...] Contudo, no que se refere ao aprendizado da linguagem escrita, a escola possui um papel fundamental e decisivo, sobretudo para as crianças oriundas de famílias de baixa renda e de pouca escolaridade. Do ponto de vista pedagógico, é fundamental que a alfabetização seja adequadamente trabalhada nessa faixa etária considerando-se que esse processo não se inicia somente aos seis ou sete anos de idade, pois, em vários casos, inicia-se bem antes, fato bastante relacionado à presença e ao uso da língua escrita no ambiente da criança. As crianças não compreendidas nesse quadro levam os professores a preocuparem-se com o que eles consideram insuficiência ou ineficiência de requisitos. (MEC, 2004, p. 19-20)
Ao fazer uma leitura mais detalhada destas orientações nota-se que as crianças não devem ser consideradas como tábuas rasas no que diz respeito à leitura e a escrita, e que devemos primar para que as mesmas tenham contato com esse universo, mesmo antes de chegar ao contexto escolar, nesse sentido a contextualização dessas crianças vão ao encontro da aprendizagem inclusiva, a globalização, a incorporação de novos valores sociais. Também dentro destas orientações cito o seguinte parágrafo,
O fato de as crianças serem alfabetizadas formalmente a partir dos seis anos não constitui uma novidade no meio educacional brasileiro. Sabemos que um grande número de crianças das camadas populares que têm experiências relacionadas à alfabetização na instituição de educação infantil, ou mesmo em casa, demonstra condições cognitivas necessárias a este aprendizado. (MEC, 2004, p. 21)
Nesse sentido também faço ressalvas as palavras de Oliveira, pois nos alerta que não há uma idade propicia para a alfabetização, entretanto
Por volta de 6 anos todos os mecanismos básicos para aprender já estão bem estabelecidos. Também por volta do 6º aniversário começam a se consolidar as áreas de associação terciárias na córtex pré-frontal. Esse cabeamento neuronal permite à criança maior autocontrole e menor dependência do córtex visual.(OLIVEIRA, 2006, p.12)
Como educadores devemos estar atentos a tudo e a todo o universo que cerca os nossos educandos, talvez o que antes já fora algo essencial, tais como os métodos iniciais de alfabetização e os mais recentes tais como nos aponta Ferreiro, já estão se tornando passado, pois estudos recentes voltados à neuropsicologia[4] apresentam novas fases do processo de alfabetização, conforme Fuentes
De acordo com Ehri (1992, 1998, 2005), o desenvolvimento da habilidade de ler palavras de memória desenvolve-se gradualmente, à medida que a criança aprende os nomes e sons das letras e desenvolve a habilidade de prestar atenção aos sons que compõem as palavras. Ehri descreve esse desenvolvimento em quatro fases, cada um delas caracterizada por uma estratégia dominante, embora de forma alguma exclusiva: 1. pré-alfabética[5]; 2. alfabética parcial[6]; 3. alfabética completa[7]; 4. alfabética consolidada[8]. (FUENTES, 2008, p. 152)
Diante dessa abordagem ressalto o programa de formação continuada de professores, disponível no site do MEC, intitulado Pró-Letramento – Alfabetização e Linguagem, atualizado no ano de 2007 e com vistas ao Ensino Fundamental de nove anos, especificamente no fascículo 1, que se organiza em torno de dois objetivos: “- apresentar conceitos e concepções fundamentais ao processo de alfabetização; - sistematizar as capacidades a serem atingidas pelas crianças ao longo dos três primeiros anos do Ensino Fundamental de nove anos” (MEC, 2007, p. 8). De forma muito sutil, inicia-se aí uma das primeiras tentativas de organização curricular a nível nacional voltada ao processo de alfabetização, no decorrer dos três primeiros anos do Ensino Fundamental.
Frente a essa perspectiva, o professor alfabetizador não é mais somente aquele da primeira série, quando então tínhamos o Ensino Fundamental de 8 anos, mas sim todo e qualquer professor que atua nas séries iniciais desse nível de ensino. Sendo assim, todos devem ter clareza de como se dá a aprendizagem nesta faixa etária, bem como que tipo de metodologias mais eficazes que contemplem o desenvolvimento de cada aluno.
[1] Métodos sintéticos – partem da letra, da relação letra/som ou da sílaba, para chegar à palavra. Consistem fundamentalmente entre a correspondência entre o oral e o escrito, entre o som e a grafia. Consistem em ir das partes para o todo.
[2] O processo de letramento, tanto na leitura como na escrita, foi surgindo à medida que a vida social e as foi-se revelando a insuficiência em apenas alfabetizar. Portanto, o surgimento da palavra letramento deu-se pela insuficiência de recursos para criar objetivos e procedimentos de ensino e de aprendizagem que realmente ampliassem o significado de alfabetização. Alguém letrado é alguém que além de ler, tem clareza do que aquilo quer dizer, ou seja, faz uma interpretação, faz uma leitura do contexto.
[3] Vygotsky descreve dois níveis de desenvolvimento, denominados desenvolvimento real e desenvolvimento potencial. O desenvolvimento real é aquele que já foi consolidado pelo indivíduo, de forma a torná-lo capaz de resolver situações de forma a utilizando seu conhecimento de forma autônoma. O nível de desenvolvimento real é dinâmico, aumenta dialeticamente com os processos de aprendizagem. O desenvolvimento potencial é determinado pelas habilidades que o indivíduo já construiu, porém encontram-se em processo. Isto significa que a dialética que gerou o desenvolvimento real, gerou também habilidades que se encontram em um nível menos elaborado que o já consolidado. Desta forma, o desenvolvimento potencial é aquele que o sujeito poderá construir.
[4] A neuropsicologia é um campo do conhecimento interessado em estabelecer as relações existentes entre e o funcionamento do sistema nervoso central (SNC), por um lado, e as funções cognitivas por outro, tanto nas condições normais quanto nas patologias.
[5] Pré-alfabética – Durante a fase pré-alfabética, as crianças não parecem prestar atenção às letras na grafia das palavras. Ao invés disso, elas aprendem a ler com base na formação de uma conexão entre um aspecto saliente na grafia da palavra ou ao seu redor (p. ex., o arco dourado que aparece atrás do rótulo McDonald’s) e seu significado e/ou pronúncia. Com efeito, as crianças em idade pré-escolar que participaram do estudo de Masonheimer, Drum e Ehri(1984) mostraram-se alheias às trocas de letras introduzidas em uma série de rótulos familiares (p. ex., Xepsi no lugar de Pepsi ou OcDonald’s no lugar de McDonald’s) e continuaram a ler os rótulos como se nada tivesse sido alterado (p. ex., lendo Pepsi em vez do Xepsi).
[6] Alfabética parcial – À medida que as crianças aprendem os nomes e os sons das letras, elas começam a compreender que as letras representam sons na pronuncia das palavras e passam a ler por meio do processamento e do armazenamento de relações entre as letras e os sons. Inicialmente, contudo, a criança só é capaz de processar relações letra-som para algumas letras nas palavras, talvez a primeira e a última letra. Por exemplo, ao ver e escutar a palavra bebê, a criança pode notar que a letra “b” no início e no meio da palavra corresponde ao som/be/que ela é capaz de detectar na pronúncia da palavra. Essa compreensão permite-lhe usar informação de natureza visuofonológica para criar uma via de acesso à memória, de maneira que, ao ver a grafia da palavra novamente, ela consegue se lembrar tanto do seu significado quanto de sua pronúncia. Contudo, uma vez que a criança só é capaz de processar relações letra-som parcialmente, a representação da palavra é ainda incompleta, algo como B_B_.
[7] Alfabética Completa – Caracteriza-se pela habilidade de ler por meio da recodificação fonológica e requer o processamento de todas as relações letra-som na palavra. Essa habilidade permite ao leitor armazenar representações completas da grafia das palavras na memória. Como conseqüência a leitura torna-se mais acurada. Ou seja, o leitor nessa fase é capaz de identificar uma palavra familiar, como por exemplo, gato, a despeito de sua semelhança com outras palavras também familiares como, por exemplo, gata, gado, galo, gota, gola, pato, jato, etc.
[8] Alfabética Consolidada – À medida que o vocabulário visual aumenta, sequencias de letras que ocorrem em diversas palavras (e seus respectivos sons) são consolidadas em unidades maiores, tornando os leitores capazes de operar com unidades correspondentes a morfemas e/ou sílabas. Essas unidades são mais econômicas, por que ajudam a reduzir o número de conexões entre a escrita e a fala, necessárias para processar e armazenar a grafia das palavras na memória.
REFERÊNCIAS:
BORBA, Ângela Meyer. As diversas expressões e o desenvolvimento da criança na escola/ Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade / org. Jeanete Beauchamp; Sandra Denise Pagel; Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de educação Básica, 2007.
BRASIL- Lei nº 9394 de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Brasília, DF, 1996.
FEIL, Iselda Terezinha Sausen. Alfabetização – Um Desafio Novo para um Novo Tempo. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.
FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1986.
FERREIRO, Emília & TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
FUENTES, D., MALLOY-DINIZ L. F., CAMARGO, C. H. P., COSENZA, R. M. et. al. (2008). Neuropsicologia – Teoria e Prática. Porto Alegre: Artmed.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 1 Didática do nível pré-silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 2 Didática do nível silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
GROSSI, Esther Pillar. Didática da alfabetização. V. 3 Didática do nível alfabético. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
MEC. - Ensino Fundamental de nove anos- Orientações Gerais. Brasília: MEC/ Secretaria de Educação Básica, 2004.
OLIVEIRA,João Batista Araújo e. SILVA, Liz Carlos Faria da. O impacto das séries iniciais: educação infantil, analfabetismo funcional e eqüidade. Artigo apresentado no Seminário sobre educação e Equidade, IETS – em outubro de 2006. Submetido para publicação. Disponível emhttp://www.iets.org.br/biblioteca/O_impacto_das_series_iniciais.pdf último acesso em 26/06/09
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