sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Os Pensadores da Educação




Antonio Gramsci

O filósofo italiano atribuía à escola a função de dar acesso à cultura das classes dominantes, para que todos pudessem ser cidadãos plenos



Foto: Alguns conceitos determinados por Gramsci hoje são usadas no mundo todo
Alguns conceitos determinados por Gramsci hoje são usadas no mundo todo



Nascido em Ales, na ilha da Sardenha, em 1891, numa família pobre e numerosa, Antonio Gramsci foi vítima, antes dos 2 anos, de uma doença que o deixou corcunda e prejudicou seu crescimento. Na idade adulta, não media mais do que 1,50 metro e sua saúde sempre foi frágil. Aos 21 anos, foi estudar letras em Turim, onde trabalhou como jornalista de publicações de esquerda. Militou em comissões de fábrica e ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano em 1921. Conheceu a mulher, Julia Schucht, em Moscou, para onde foi enviado como representante da Internacional Comunista. Em 1926, foi preso pelo regime fascista de Benito Mussolini. Ficou célebre a frase dita pelo juiz que o condenou: "Temos que impedir esse cérebro de funcionar durante 20 anos". Gramsci cumpriu dez anos, morrendo numa clínica de Roma em 1937. Na prisão, escreveu os textos reunidos em Cadernos do Cárcere e Cartas do Cárcere. A obra de Gramsci inspirou o eurocomunismo – a linha democrática seguida pelos partidos comunistas europeus na segunda metade do século 20 – e teve grande influência no Brasil nos anos 1970 e 1980.



Co-fundador do Partido Comunista Italiano, Antonio Gramsci foi uma das referências essenciais do pensamento de esquerda no século 20. Embora comprometido com um projeto político que deveria culminar com uma revolução proletária, Gramsci se distinguia de seus pares por desacreditar de uma tomada do poder que não fosse precedida por mudanças de mentalidade. Para ele, os agentes principais dessas mudanças seriam os intelectuais e um dos seus instrumentos mais importantes, a escola.



Alguns conceitos criados ou valorizados por Gramsci hoje são de uso corrente em várias partes do mundo. Um deles é o de cidadania. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a conquista da cidadania como um objetivo da escola. Ela deveria ser orientada para o que o pensador chamou de elevação cultural das massas, ou seja, livrá-las de uma visão de mundo que, por se assentar em preconceitos e tabus, predispõe à interiorização acrítica da ideologia das classes dominantes.



Ao contrário da maioria dos teóricos que se dedicaram à interpretação e à continuidade do trabalho intelectual do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), que concentraram suas análises nas relações entre política e economia, Gramsci deteve-se particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos de transformação histórica. Suas idéias sobre educação surgem desse contexto.

Para entendê-las, é preciso conhecer o conceito de hegemonia, um dos pilares do pensamento gramsciano. Antes, deve-se lembrar que a maior parte da obra de Gramsci foi escrita na prisão e só veio a público depois de sua morte. Para despistar a censura fascista, Gramsci adotou uma linguagem cifrada, que se desenvolve em torno de conceitos originais (como bloco histórico, intelectual orgânico, sociedade civil e a citada hegemonia, para mencionar os mais célebres) ou de expressões novas em lugar de termos tradicionais (como filosofia da práxis para designar o marxismo). Seus escritos têm forma fragmentária, com muitos trechos que apenas indicam reflexões a serem desenvolvidas. 


A mente antes do poder


Hegemonia significa, para Gramsci, a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. O domínio se caracteriza por dois elementos: força e consenso. A força é exercida pelas instituições políticas e jurídicas e pelo controle do aparato policial-militar. O consenso diz respeito sobretudo à cultura: trata-se de uma liderança ideológica conquistada entre a maioria da sociedade e formada por um conjunto de valores morais e regras de comportamento. Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, isto é, de aprendizado.



A hegemonia é obtida, segundo Gramsci, por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política”. Ou seja, é necessário primeiro conquistar as mentes, depois o poder. Isso nada tem a ver com propaganda ou manipulação ideológica. Para Gramsci, a função do intelectual (e da escola) é mediar uma tomada de consciência (do aluno, por exemplo) que passa pelo autoconhecimento individual e implica reconhecer, nas palavras do pensador, “o próprio valor histórico”. “Não se trata de um doutrinamento abstrato”, diz Paolo Nosella, professor de filosofia da educação da Universidade Federal de São Carlos.


Acesso ao código dominante


O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos e os meios de comunicação. Ao contrário do pensamento marxista tradicional, que tende a considerar essas instituições como reprodutoras mecânicas da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade do início das transformações por intermédio do surgimento de uma nova mentalidade ligada às classes dominadas.



Na escola prevista por Gramsci, as classes desfavorecidas poderiam se inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização. A construção de uma visão de mundo que desse acesso à condição de cidadão teria a finalidade inicial de substituir o que Gramsci chama de senso comum – conceitos desagregados, vindos de fora e impregnados de equívocos decorrentes da religião e do folclore. Com o termo folclore, o pensador designa tradições que perderam o significado, mas continuam se perpetuando. Para que o aluno adquira criticidade, Gramsci defende para os primeiros anos de escola um currículo que lhe apresente noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, conhecer os conceitos científicos) e seus direitos e deveres de cidadão.


Elogio do “ensino desinteressado”



Uma parte importante das reflexões de Gramsci sobre educação foi motivada pela reforma empreendida por Giovanni Gentile, ministro da

Educação de Benito Mussolini, que reservava aos alunos das classes altas o ensino tradicional, “completo”, e aos das classes pobres uma escola voltada principalmente para a formação profissional. Em reação, Gramsci defendeu a manutenção de “uma escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa”. Para ele, a Reforma Gentile visava predestinar o aluno a um determinado ofício, sem dar-lhe acesso ao “ensino desinteressado” que “cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo, liberta de toda magia ou bruxaria”. Ao contrário dos pedagogos da escola ativa, que defendiam a construção do aprendizado pelos estudantes, Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de estudo, o professor deveria transmitir conteúdos aos alunos. “A escola unitária de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante, com o qual se aprende a operar”, diz o pedagogo Paolo Nosella. “Em termos metafóricos, não se trata de colocar um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do torno.”


Frases



“A tendência democrática de escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante”


“Todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”

      
 Oque   ler

Os intelectuais e a organização da cultura (1949)
Cadernos do cárcere (escritos entre 1929 1 1935)

Um comentário:

  1. Andrea, amei seus textos.
    Aliás, amei seu blog. realmente, um espaço comprometido com a educação. Com uma educação séria, mas cheia de energia, de alegria, de cuidado com quem aprende.
    Maravilhoso! Parabéns!

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